CAMILLE KACHANI

Camille Kachani nasceu em Beirute na década de 1960, aportando no Brasil em 1971, fugido da guerra no Líbano. Estudou fotografia, pintura e escultura e começou a trabalhar como fotógrafo de natureza. Aos poucos, migrou para um procedimento misto com imagem, colagem e escultura. Seu trabalho trata de conceitos como identidade e pertencimento, sugerindo, a partir de referências autobiográficas, que estes se formam a partir da aquisição de cultura, num movimento de construção/dissolução eternos. Propõe a tese que cultura e natureza são hoje indissociáveis, formando assim o corpus do ser humano contemporâneo, ideia que irá nortear sua produção nos últimos anos. Kachani tem obras nos acervos dos principais museus do Brasil e em coleções dentro e fora do país.desenvolve um processo inventivo de possibilidades relacionadas ao processo de transformação da Natureza. Suas obras são objetos híbridos, que investigam as condições originais e primitivas dos elementos naturais.

Eles poderiam ser objetos comuns, utilitários ou decorativos, mas têm um je ne sais quoi que os coloca em terreno vago, numa área que, não sendo mais nada, tem tudo para ser invadida pela arte. Os objetos de Camille Kachani são invasores de áreas periféricas.

Poderiam ser bichos de pelúcia, mas têm o tamanho de um sofá, remetendo às esculturas de Claes Oldenburg. Poderiam ser pequenos robôs em forma de animais, mas trazem no título “natura ex machina” um liame com o teatro grego, do “deus ex machina” que do nada surgia no palco, baixado por um guindaste, para dar sentido e conclusão a uma trama mal costurada. Poderiam ser vassouras, gaiolas e outros objetos domésticos feitos de madeira, mas deles brotam folhas verdes, apontando para um desejo de dar outra vida às coisas. Imagino todas as madeiras da casa brotando, as prateleiras e gavetas, os batentes das portas, os cabos das facas, vigorosamente ressuscitando e gerando brotos, por um lado algo gracioso, por outro lado algo tão terrível quanto um bife que mugisse. Embevecer-se ou gritar de terror? Rir das notas de dólar adulteradas ou chorar pela impossibilidade do fim do dinheiro? Aí reside a diferença crucial entre um bicho de pelúcia e uma obra de arte: a incerteza, terreno vago onde a produção de Kachani sente-se em zona de conforto para causar desconforto em todas as outras zonas.

Há alguns anos, essas perturbações eram placas de sinalização absurdas espalhadas pela cidade, como “Assalto a mão armada a 150 m” ou “Pare Sinta Reaja”. Depois, signos da urbanidade, como caçambas de entulho, cones, fuscas e portas de garagem apareceram bidimensionais e macios, como se fossem tapetes para casas condenadas à impossibilidade da paz doméstica, perpetuamente invadidas pelos ruídos da rua. Na produção mais recente, as perturbações são causadas pelos brotos verdes da madeira insurrecta, que inviabiliza gaiolas. Vassouras e bruxarias sempre voam juntas e deve ser por isso que a série “Amanhã era outro dia”, iniciada em 2012 tanto enleva quanto horroriza. Não é possível escravizar o que é vivo sem que uma reação seja lentamente, imperceptivelmente, gestada. E aliás, esses objetos híbridos que escaparam das margens do design estão aí para nos fazer lembrar que a arte é viva, é natureza naturante, força que engendra. Muito cuidado, portanto: ela pode brotar à revelia das constrições, e para tanto acionará encanto e terror, como em todo nascimento.

Paula Braga, 2013